O POLIAMOR E O DIVÃ
Diana Dahre
O casamento é celebrado em diferentes
culturas e lugares e em diferentes tempos. No entanto, a sua transformação
enquanto instituição social foi enorme nestas últimas décadas. O modelo de
família patriarcal que vigorou durante séculos escondeu mistérios, traições,
ciúmes obsessivos, exercício de poder tirânico, coação física e económica ou,
como em outras épocas, a negação do amor e da paixão como acontecia entre as
famílias nobres da Europa quando ofereciam ou vendiam as suas filhas e os seus
filhos em casamentos arranjados.
Em paralelo, têm surgido vários movimentos
poliamoristas que reivindicam uma nova forma de amar e de relacionamento
amoroso. Apesar de ter conhecimento de que já existiam algumas culturas não
monógamas no mundo, o conceito conhecido como poliamor foi proeminentemente
estabelecido nos Estados Unidos. Algumas comunidades utópicas já
iniciadas no século XIX começaram a ganhar força na década de 1960 com a revolução
sexual. O termo “amizades íntimas” iniciado na década de 1970 e, em seguida, o
movimento da não monogamia atribuível aos anos de 1980, acabaram por
popularizar o termo “poliamor” já em plena década de 1990.
Entre nós, a popularidade do
poliamor se deve em grande parte aos livros de Regina Navarro Lins, entre esses A Cama na Varanda.
Destacam-se também o documentário brasileiro Poliamor de José Agripino, realizado em 2010 ou a telenovela Avenida
Brasil, líder em audiência e onde no último capítulo da trama, Cadinho (Alexandre
Borges) se casou com três mulheres em um ritual simbólico, enquanto em outro núcleo, Suelen (Isis Valverde)
e seus dois maridos – Roni (Daniel Rocha) e Leandro (Thiago Martins)
– decidiram viver juntos.
O movimento tem crescido com a
proliferação das redes sociais. Neste novo sistema de consumo acontece a
sugestão horizontal da informação e dos dados com um acesso mais democrático e
organizado por redes. Estas subculturas reais e virtuais instruem outras visões
do mundo e expõem informação, vinculação, sentimentos e desejos muitas vezes
sem filtragem feita por uma autoridade central.
Nestas redes de subculturas (virtuais) a
circulação de ideias e a formação de conhecimento. Através da circulação de
conhecimento forma-se o sentimento de comunidade. Este sentimento volta a
ligá-los a si próprios e a um conjunto de pessoas que, se pensando e sentindo
isoladamente, estavam afinal comungando de algo que não os torna diferentes mas
iguais. Este processo tem lugar em redes, através de uma simbologia (linguagem)
própria que é aprendida e socializada entre todos os membros no relacionamento
entre si e o mundo. Entre estas
comunidades (virtuais) de aprendizagem tem crescido o poliamor, alertando para
novas formas de amor e de vivência dos relacionamentos.
Psicanálise e
Poliamor
Os poliamoristas não afirmam a necessidade
de reestruturar as relações amorosas sob algum modelo especifico . Apenas contestam que esta deve ser
socialmente respeitado. No entanto, por não ser socialmente aceito, os
poliamoristas estão mais sujeitos a diversos fenômenos ligados à rejeição como
a frustração, o medo ou a anomia social. Os poliamoristas procuram não só uma
crescente aceitação social mas também alguns buscam compreender melhor atraves
de redes sociais ou terapias diversas compreender as suas implicações . Apesar
de muitos buscarem mais informações em diversos meios de comunicação, enfrentam
problemas de inclusão e entendimento mútuo durante o processo terapêutico. Contudo,
faltam ainda elementos de estudo deste fenômeno entre psicanalistas e demais
especialistas.
Para a Psicanálise, o desejo pressupõe
objetos e exige que exista necessidade e amor. Para Lacan, o desejo nunca é
alcançável porque é dessa forma que ele continua desejo. Cessando o desejo,
cessa a vida. Não sendo completamente realizado, o amor e as relações acabam
por ter uma dimensão que vai para lá da monogamia.
A expressão da sexualidade na infância é
bastante importante para que Freud tenha desenvolvido a história sexual dos
indivíduos. A raíz da primeira repressão das necessidades, do desejo ou do
afeto, tem repercussões na forma como é vista e tratada a pulsão pelo
indivíduo. Uma vez mais, o desejo do passado retoma de uma forma diferente no
presente, assumindo outro objeto.
Tal como a fixação e a sexualidade
infantil foram pressupostos essenciais na teoria freudiana, a ideia de
sexualidade como procriação tem também uma relevância maior. A ideia de que a
sexualidade serve exclusivamente para a procriação e para a continuação da vida
e da sobrevivência afasta o Homem social do Homem desejo. No entanto, o desejo
não encontra fim absoluto e daí não existe descanso para a expressão da líbido
original, será o Superego social a exercer a repressão da expressão biológica e
formativa, impedindo socialmente a expressão do desejo individual. É no estudo
da transgressão da moral social que encontramos terreno fértil para o
entendimento e aceitação desta prática crescente.
Por outro lado, falar de poliamor também
depende de outras realidades e conceitos que a teoria psicanalítica tem
desenvolvido desde Freud, como a defesa de romance familiar, a ideia de meio e
o narcisismo. Também, e seguindo Winnicott, podemos entender o poliamor como
resultado do contexto e do meio envolvente do indivíduo, o que lhe permite a
expressão, o sentimento e a vivência poliamorista.
Para
o psicanalista o objetivo não é interpretar ou julgar qual é a relação amorosa
ideal. Tal como Freud na sua busca
intelectual, é preciso compreender o mundo em sua volta. Ele se interessava pelos acontecimentos
sociais e culturais de sua época, pelas produções literárias, artísticas,
mitológicas e religiosas. Vivemos na época do hiperconsumo, da hipermodernidade
e do hipernarcisismo. A psicanálise é um método de investigação que deve ser
reinventada pelos contextos humanos. Desta forma, a
escuta psicanalítica necessita de olhos novos para lidar com os novas
tendências de se relacionar. Na clínica
atual devemos buscar uma abertura em
relação a escuta dos nossos
pacientes e buscar sentido a fala em função da subjetividade dos
pacientes. O analista não deve seguir uma lógica no discurso do seu
analisando, ele deve reconhecer que o sujeito não é um ser estático, mas
sim, um ser em constante
transformação e com algo que é tão dinâmico como a sua psique.
O analisando tem o direto, por meio de palavras, ações e desejos indagar
e ao mesmo tempo ter a ‘’escuta’’ do seu psicanalista sem nada a esperar para alem do que foi dito.
A psicanálise não deve-se reduzir à terapia
analítica, ao estudo da relação analítica e do psiquismo individual,
principalmente de forma que foi feita ao longo de varias décadas. Para isso, cabe ao analista atual compreender
as transformações do mundo em que vivemos e ampliar a escuta psicanalítica.
Por
isso, seguindo uma ética psicanalítica, para atender um sujeito poliamorista é
compreender e respeitar essa modalidade de se relacionar. Cabe aos futuros psicanalsitas, conhecer essa
forma de amar e por meio da escuta, atender os poliamoristas e auxiliarem que
esses desenvolvam suas singularidades e aceitem suas limitações e desejos como
todas as amorosas.
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